domingo, 23 de janeiro de 2011

Resenha

Nobres Senhores leitores e belas Damas leitoras de peitos macios que acompanham o CURTINDO LINGUAGENS, trago para vocês um breve comentário a respeito do último romance publicado pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que completa 70 anos de vida hoje, 23 de Janeiro de 2011. Ubaldo é um dos escritores que fazem parte da minha estante de leitura. O texto que segue é também uma forma de homenagear esse escritor já consagrado da Literatura Brasileira. Que ele possa brindar a todos os seus leitores com muitos contos, crônicas e romances de qualidade, a exemplo dos clássicos e gaviônicos romances Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro, como ele faz com o Albatroz Azul. Vão ao texto, espero que possam apreciar. Caso as linhas que se desdobram abaixo não lhes agradar, peço desculpas e agradeço a estimada paciência de Vossas Excelências.

Saudações.
Do Tabuleiro seco e empoeirado do Sertão, O autor do C. L..
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O voo d’O Albatroz Azul

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica, Bahia, em 23 de janeiro de 1941, na casa de seu avô materno, à Rua do Canal, número um, filho primogênito de Maria Felipa Osório Pimentel e Manoel Ribeiro. O casal teria mais dois filhos: Sonia Maria e Manoel. Ao completar dois meses de idade, João muda-se com a família para Aracajú, SE, onde passaria a infância.
O mais recente romance de João Ubaldo Ribeiro, O Albatroz Azul (Nova Fronteira, 2009), nasce como um voo profundo à memória, para refletir a existência humana numa determinada cultura. A narrativa, através de um narrador ao estilo pós-moderno que observa todos os fatos e os reconta ao leitor, se passa na Ilha de Itaparica, palco fiel, onde Ubaldo encena muitas de suas narrativas. O escritor, baiano da Ilha de Itaparica, estreou na Literatura com a publicação do romance Setembro não tem sentido (1968) e ganhou destaque no cenário da Moderna Literatura Brasileira com clássicos como Sargento Getúlio (1971), O sorriso do lagarto (1989) e o romance Viva o povo brasileiro (1984), verdadeira saudação a uma gente que, excluída dos compêndios da história, contribui de maneira substancial para a construção do país. João Ubaldo Ribeiro publicou também O feitiço da ilha do Pavão (1997), Diário do Farol (2002), A casa dos budas ditosos (1999) e Miséria grandeza do amor de Benedita (2000), obras que venderam mais de 500 mil exemplares no Brasil, uma quantidade substancial para a dura realidade enfrentada por muitos escritores no mercado editorial brasileiro. O escritor baiano, membro da Academia Brasileira de Letras, recebeu em 2008 o Prêmio Camões, conferido aos maiores escritores de língua portuguesa.
Além de publicar romances, João Ubaldo colabora com jornais do Brasil e do exterior e se dedica ao conto e a crônica, com destaque para livros Vencecavalo e o outro povo (1974) e Um brasileiro em Berlim (1995). O escritor fez voos rápidos também na literatura infanto-juvenil, publicando Vida e paixão de Pandomar, o cruel (1983) e A vingança de Charles Tiburone (1990), além de ter publicações diversas em coletâneas etc. Hoje o autor ocupa, reconhecidamente, lugar de destaque entre os grandes escritores do século XX, como afirmou Wilson Martins, mas também no cenário inicial do século XXI. Seus  livros já foram traduzidos e publicados mundo a fora em espanhol, francês, hebraico, inglês, italiano, alemão e em outras diversas línguas.
Em O Albatroz Azul Ubaldo tenciona o entrelaçamento do “[...] passado, presente e futuro, os três embolados, sem antes nem depois”. (p. 10). Para poder contar a história de Tertuliano Jaburu, um senhor de idade avançada que goza de familiaridade com “[...] os seres, visíveis e invisíveis, que povoam cada estação do dia e da noite [...]”. (p. 10). Envolvido no mistério que é o nascimento do neto, Jaburu acorda certa manhã crente que o final de sua vida se aproxima, antes, porém, ele deve trazer ao mundo seu neto Raymundo Penaforte, nome escolhido pelo próprio Tertuliano, “[...] por motivo relevante, ressonância, composição bem casada”. (p. 30).
Antes de mergulhar na genealogia de Tertuliano Botelho Gomes, seu nome de batismo, o narrador d’O Albatroz Azul conta o fato que incomoda o personagem. O nascimento de seu neto surpreende a todos por ser um acontecimento único, pois “Uma coisa é dizer que, por se dar bem sem se esforçar e tudo parecer lhe cair ao colo, uma pessoa qualquer nasceu de cú prá lua. Coisa diversa e mil vezes superior, cem mil vezes superir, é estar presente a um desses nascimentos”. (p. 50). A concepção de Raymundo Penaforte acontece rigorosamente numa manhã em que a lua ainda estava no céu para contemplar a bunda do bardo, anunciando bons fluidos para a vida da criança.
Após o nascimento do único neto homem, já que Jaburu só legara herdeiros do sexo feminino, o narrador mergulha na genealogia do personagem. Para tanto, traz à baila a história da qual Tertuliano se envergonha até o fim de sua vida, a história de seu pai Juvenal Peixoto do Amaral Viana Botelho Gomes, filho do rico português Nuno Miguel Botelho Gomes. Ao perder a devotada esposa, Nuno ruma para Portugal deixando o filho Juvenal sob a custódia do amigo João Manuel Veiga Peixoto Viera, padrinho do rapaz. Com a morte de João Manuel, sua esposa Antônia Vicência de Matos Pimentel Pacheco Vieira, Iá Cecinha, uma “[...] mulher sabidamente com coragem de mamar em onça e tradição de valentia pelos quatro lados da família, desde o tempo da invasão holandesa” (p. 98), assume a criação de Juvenal com dedicação esmerada.
Iá Cecinha, após a morte do marido João Manuel, assume também a liderança da família e se interessa prontamente em multiplicar seus bens aos herdados por Juvenal, para tal empresa ela apoia o caso que o rapaz mantém com suas duas filhas, Albina e Catarina. Desse triângulo virá ao mundo Tertuliano e seus irmãos. No emaranhado que narra a formação da família de Jaburu, o narrador também deita olhar sobre Nestor Antero da Silva Sacramento, conhecido como mestre alfaiate Nestor Gato Preto, amigo fiel de Tertuliano, Gato Preto “[...] era iniciado e confirmado em artes e ciências ocultas e pertencia a várias irmandades, ordens, confrarias, terreiros, roças, centros, tendas e casas das mais vetustas e conceituadas, não só na Ilha como [...] na própria Bahia, mantendo também notáveis correspondentes no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo”. (p. 56).
Ao postular o personagem Gato Preto a narrativa se debruça nas heranças que a cultura popular oferece para o processo de construção da sociedade da Ilha, bem como de toda a nação. O envolvimento de Tertuliano com as artes e ciências da cultura popular o conduz até outras figuras abastadas nas relações com os seres visíveis e invisíveis, como pronuncia o narrador. Preocupado com a sorte do neto, que nasceu de cú pra lua, Jaburu começa a encaminhar a vida da criança, escolhendo para padrinho de Raymundo o misterioso Zé Honório e sua esposa Dona Roxa Flor.
Destarte, Tertuliano anuncia aos amigos e ao próprio Zé Honório que sua morte está próxima. Eis o eixo sobre o qual a narrativa é arquitetada, a percepção de que o fim da vida terrena se aproxima diante do nascimento do único herdeiro macho da estirpe de Tertuliano, aquele que poderá perpetuar na terra as práticas visíveis e invisíveis das quais Tertuliano, Gato Preto e Zé Honório são sábios seguidores. O mistério que envolve o personagem na descoberta de um processo de transformação radical de sua existência terrena conduz o olhar do leitor por toda a narrativa d’O Albatroz Azul.
Na obra, a escrita de João Ubaldo Ribeiro exercita a leveza da mão de um escritor, já consagrado, que empreende com o novo romance uma travessia por memórias que perpassaram a construção de sua carreira literária. Assim, a cultura popular e a dimensão da sua linguagem quotidiana, as heranças da miscigenação da sociedade brasileira ensaiada na Ilha de Itaparica servem como alguns dos elementos construtores do romance de Ubaldo.
No desfecho do romance, o singelo e o belo se fundem para que surja diante do leitor a imagem do até então inexistente albatroz azul, “do tamanho do horizonte”. (p. 235). É então que se vislumbra a possibilidade ampliada que a escrita de Ubaldo ganha na possibilidade de transformar-se num albatroz azul que brilha misteriosamente como o horizonte a ser habitado. Entre idas e vindas, diante do processo de autoconhecimento, o personagem Tertuliano Jaburu percebe talvez, na imagem do albatroz azul, a formação de sua sabedoria, por fim reconhecida pela natureza e pela imagem solar no alvorecer da Ilha. Um espaço real e misterioso permeado de enigmas que doravante o criador, a criatura e o leitor serão moradores, desde que ouçam o som das ondas que rebentam desde sempre nas páginas da literatura de João Ubaldo Ribeiro.

Um comentário:

  1. Amigo Gil, confesso que preciso reler João Ubaldo. Não me empolguei muito com a leitura de Viva o povo brasileiro, mas também isso faz um bom tempo. Já é hora de tentar mais uma vez. Preciso de uma releitura, com o olhar que possuo hoje. Além do mais, você escreveu uma bela resenha, que despertou em mim, ainda mais, essa vontade. Parabéns, Gil. Você está escrevendo cada dia melhor. Tenho certeza de que escreverá uma dissertação e tanta. Um grande abraço. L

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