terça-feira, 18 de maio de 2010

Resenha

NA PONTA DA FACA.


Coletânea de onze contos, o livro Faca, do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, está na segunda edição pela Cosac Naify (2009). O autor, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura (2009) com o romance Galiléia (ed. Alfaguara, 2008), desenvolve um estilo próprio com narrativas curtas e intensas, que rememoram a decadência de um sertão arcaico.

Com histórias ambientadas numa sociedade patriarcal e de conflitos cortantes, como sugere o título Faca, o escritor dialoga com a narrativa oral e extrai dessa tradição tipicamente nordestina uma paisagem ao mesmo tempo humana e mitológica. Sua linguagem está a serviço do ambiente seco, onde os diálogos são silenciosos e os choques culturais acontecem de forma violenta. Para traduzir a voz taciturna das narrativas, as ilustrações em moldes de xilogravura da artista plástica Tita do Rêgo Silva enriquece ainda mais a obra.

Os textos intensos de paixões, desejos e crimes são narrados por uma voz pós-moderna que assiste todo o dilaceramento de um tempo e de um povo embebido na lei da faca. Desde o primeiro conto, A espera da volante, o livro rememora um sertão literário regionalista, onde o tempo se liquefaz no rodopear do redemunho que funde vida e morte, num desatino existencial severino. O escritor cearense se quer e se constrói universal, revigorando a prosa regionalista não no sentido geográfico, mas que parte de um contexto social e cultural para dialogar com o mundo essencialmente sertão.

No segundo conto que intitula a seleta um grupo de ciganos encontra uma faca centenária e assombrada por uma tragédia familiar, a partir de então se destila a perspectiva temática de Ronaldo Correia de Brito na coletânea. A morte, as relações silenciosas entre familiares, maridos embrutecidos e mulheres que fazem eclodir uma falsa submissão ao poder masculino são figuras recorrentes nas histórias fragmentadas do escritor. A fragmentação surge como um estilo para falar sem dizer, revelando os segredos do texto pelo silêncio tão caro nos diálogos imprimidos por Ronaldo em Faca.

Enquanto alguns contos como Redemunho, O dia em que Otacílio Mendes viu o sol, A escolha, Mentira de amor, Cícera Candoia mantém a disposição estrutural na mesma medida, outros textos como: Faca, O valente Romano e Lua Cambará são desfiados através de múltiplas vozes que, em certos momentos, apenas parecem se repetir dentro do livro. Todos esses aspectos afirmam o estilo do autor, sua prosa em diálogo com a tradição oral nordestina apresenta-se para revigorar o imaginário ambientado no sertão nordestino que enriquece cada vez mais a produção literária brasileira. Desta forma, a literatura cumpre seu papel basilar de ler a existência humana em toda a sua intensidade, de maneira cortante, como a ponta da Faca de Ronaldo Correia de Brito.

BRITO, Ronaldo Correia de. Faca. Posfácio Davi Arrigucci Jr. Ilustração Tita do Rêgo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

2 comentários:

  1. Bela resenha, Gil. Muito bem escrita. Abraço.

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  2. Lidi tirou exatamente as minhas palavras(rs). Brincadeiras à parte, Gil, ótima resenha. Você enumerou bem as virtudes do livro, intercalando forma e assunto com bastante propriedade. Muito que bem. Aquele abraço.

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