Ao ler o livro "A dama da solidão", de Paula Parisot, me deparei com bons contos, um em especial chamou a minha atenção, pois me faz refletir bastante sobre a possibilidade de observar um novo teto diante de mim mesmo. Me faz ter vontade de afiar o punho, afiar a marreta, derrubar certas paredes e admirar um céu estrelado, deixar-se conduzir pelo sorriso das estrelas que brilham intensamente novos horizontes!
Compartilho aqui o conto, para os que desconhecem ou desejam conhecê-lo.
(Falling 2004 - Gül Ilgaz - Istanbul Museum of Modern Art) |
O teto
Marcos entrou
em seu quarto, deitou-se na cama sem tirar a roupa. Olhou para o teto, branco,
desbotado pelo tempo.
Girou a cabeça
para um lado e notou que uma das portas do armário estava entreaberta,
permitindo que ele visse roupas da sua mulher.
Voltou a olhar
para o teto. Não ouviu nada, nem o desassossegado bater do seu peito. Aquele silêncio
lhe dava certa aflição.
Ofegante, não
conseguia respirar, sentia-se sufocado por suas recordações.
Olhou para o
teto que lentamente baixava sobre ele. Marcos não se moveu, permaneceu
prostrado na cama, sem saber por quanto tempo.
O teto
continuava baixando. Seu espaço se reduzia.
Ele enfiou o
rosto no lençol, na fronha do travesseiro, e tentou aspirar fundo, queria
dormir.
À espera do
sono que quase nunca vinha, olhava para o teto que continuava a baixar,
aproximando-se cada vez mais da sua cabeça, como se fosse prensá-lo contra o
chão.
Notou uma
imperfeição no teto. Sentou-se na cama. De perto, conseguiu ver uma espécie de
furo. Um buraco. Marcos enfiou a ponta, depois o dedo inteiro. Ao tirá-lo
arrancou um pedaço do teto.
Ficou em pé na
cama e olhou pelo buraquinho. Não viu nada, só breu. Sentou-se novamente na
cama. Pensava no buraco que dava para a escuridão.
Levantou-se e
deu um soco no teto, e outro soco, o buraco aumentou. Com as mãos Marcos
arrancou as bordas do buraco. Ficou na ponta dos pés e enfiou a cabeça pela
abertura que fizera.
Viu a mesma
coisa que antes. Continuou com a cabeça enfiada ali e sua vista foi se
acostumando. Depois de algum tempo distinguiu algo que pareciam pirilampos
voando.
Era o céu.
Tirou a cabeça
do buraco. Foi buscar uma marreta.
Subiu na cama e
começou a bater com a marreta no teto.
A cada
marretada via caírem ao chão pedaços de gesso e cimento.
O teto foi todo
destruído e o céu entrou inteiro pelo seu quarto.
Marcos deitou-se
sobre os destroços e ficou olhando.
(PARISOT, Paula. A dama da solidão: contos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. (p. 72-73))
Nenhum comentário:
Postar um comentário